(2018) Morangos Silvestres
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Categoria: Filosofia e cinema
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Como todo filme de Bergman, Morangos Silvestres é conduzido em uma atmosfera psicologicamente pesada, na qual as personagens desfilam as suas angústias. O enredo do filme conta a história de um homem envelhecido, médico e professor aposentado, que aparentemente possui problemas de saúde, chamado Isak Borg. A partir de idas e vindas no tempo, constrói-se uma narrativa na qual as memórias de um passado idealizado como perfeito se confronta com um presente de amargura e desencanto.
O enredo se desenvolve numa viagem de carro de Estocolmo até Lund (é um road movie), na qual o Dr. Borg é acompanhado da sua ex nora, Marianne. A razão da viagem é receber uma honraria acadêmica da Universidade na qual foi professor. Ao longo do caminho, eles encontram uma série de pessoas na estrada, cada uma das quais faz com que o médico idoso reflita sobre os prazeres e fracassos de sua própria vida.
Além das pessoas, que fazem com que as memórias aflorem, lugares que possuem significado no passado do médico são revisitados. Por exemplo, o médico e sua nora fazem uma parada numa casa de verão que o envelhecido professor frequentava na infância. Agora o imóvel está abandonado, coberto de ervas daninhas. Esse cenário decadente faz com que ele se lembre dos pretéritos verões felizes à beira do lago. O lugar traz a memória de sua prima Sara, a quem ele adorava, mas que se sentia atraída por seu irmão Sigfrid. Aliás, ela acaba por se casar com o irmão de Borg. Essa é uma constante no filme: o passado evocado leva sempre a um paradoxo: felicidade que se passou, mas que redunda em amargura.
A viagem acaba se transformando num verdadeiro exercício memorialista (um pouco ao modo de Pedro Nava). Bergman faz a câmera girar e passa a exibir pessoas e fatos ocorridos há mais de vinte anos.
Dentre os caroneiros, aparece uma jovem que faz Dr. Borg relembrar do seu primeiro grande amor de juventude. Os personagens que vão aparecendo no filme se entrelaçam com os nebulosos flashbacks e fantasias do médico. As lembranças dos desapontamentos e desilusões vão deixando claro para o espectador que aqueles eventos deixaram o personagem principal frio e repleto de culpa. Esses aspectos psicológicos são sublinhados quando ele encontra o seu filho, que se mostra igualmente frio e ressentido.
Num dado momento, Dr. Borg cochila no carro e tem um sonho com sua falecida esposa. Fica-nos claro que o relacionamento não era dos melhores, pois a esposa parece ter desprezo por ele. Nesse ponto, Marianne revela para o seu sogro que ela e Evald (filho do médico) brigaram por conta da sua gravidez. O fracasso do casamento do médico se reflete no fracasso matrimonial de seu filho.
Na verdade, a viagem do Dr. Borg serve para que ele se autoexamine e medite sobre si mesmo. A consequência é que o médico se vê diante de um exercício de autodescoberta. As imagens que se sucedem no filme vão engendrando toda uma simbologia que serve para lançar o professor de volta (no presente) a um mundo perfeito, que parecia ter sido deixado para trás. Portanto, o filme se mostra como radicalmente otimista e positivo. A sua mensagem mais pungente é a de que envelhecer pode ser libertador. Quando se tem a coragem de refletir sobre os caminhos que tomamos, a consequência que daí se extrai é um estado de serenidade, dada a distância no tempo. O que parecia muito importante se reduz, o inverso também pode ocorrer. O ganho que se tem é a adequação, o ajuste dos papéis cumpridos por pessoas e lugares que passaram em nossa vida. Mesmo que esse exercício implique em dor, ainda assim, podemos insistir. E isso é libertador.