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O filme se passa em torno de um dia na vida de um médico já idoso chamado Eberhard Isak Borg na véspera de uma importante homenagem que ele deverá receber por seus 50 anos de atividade profissional. Reproduzindo um estilo narrativo que o diretor utilizou em seu belíssimo O Sétimo Selo, realizado no mesmo ano (talvez haja aí alguma relação mais estreita entre os dois filmes), Bergman realiza uma espécie de “road movie”, onde os personagens centrais (Borg e sua nora Marianne) vão cruzando o seu caminho com uma série de personagens inusitados (alguns cômicos, outros trágicos) durante uma longa viagem de carro até a cidade onde acontecerá a cerimônia.

            Logo no início do filme, Bergman delineia o tema central: após um pesadelo na noite anterior à viagem, Borg decide realizar a viagem de carro ao invés de ir de avião como estava previsto, com a possível intenção de revisitar certos lugares (e pessoas, como sua mãe muito idosa) que marcaram sua vida, e que talvez contenham a chave para compreender a solidão que marca agora a sua velhice e seu encontro próximo com o fim (algo também muito próximo do fio condutor de o Sétimo Selo).   

            Neste seu sonho que funciona como “estopim” para toda trama, Isak Borg (não parece coincidência que as iniciais do nome pelo qual o personagem é mais conhecido sejam as mesmas de Ingmar Bergman, apesar deste filme ter sido feito ainda em sua juventude), caminha pelas ruas vazias de sua cidade e tem um claro encontro com a morte. Em um relógio na rua que não marca hora alguma, Borg parece reconhecer uma hora especial, e sua expressão adquire um ar preocupado e assustado enquanto ele se escora em um muro protegido do sol forte em uma sombra projetada exatamente pelo relógio. Em seguida, ele enxerga um homem de costas e, ao virá-lo, o homem (que possui feições bizarras) desfalece em uma poça de líquido negro, possivelmente sangue; uma carruagem fúnebre se aproxima, carregando um caixão. Ao fazer uma curva, uma de suas rodas fica presa no meio fio, e, enquanto um cocheiro que não vemos tenta libertar a carruagem, vemos o caixão balançando de um lado para o outro e ouvimos um rangido que é rigorosamente idêntico ao choro de uma criança, como se o caixão fosse uma espécie de “berço” com seu “passageiro” sendo “ninado”. A roda eventualmente se desprende da carruagem por conta dos movimentos repetitivos e o caixão cai no chão da rua se abrindo. Ao se aproximar, Borg vê o corpo: um duplo de si mesmo que o agarra pelos braços.

            Toda cena parece reproduzir uma atmosfera psicanalítica, com sua aproximação entre vida e morte, sinalizando alguma relação entre pulsão vital e pulsão de morte, eros e tânatos, e também sobre a marca que nossa mais tenra infância tem em nós até nosso momento derradeiro. Mas também existencialista na medida em que aborda a inevitabilidade da morte, sua “precisão exata sem hora marcada”, a falta de sentido na vida e o absurdo do fim, etc.

            E é a partir deste encontro com a morte que Borg decide de alguma maneira “prestar contas” à história de sua vida, embarcando em seu carro e visitando as lembranças que lhe marcaram e que construíram sua vida, para além do que talvez tenham sido seus desejos mais intensos e verdadeiros (a cidade onde se escolhe morar, a mulher com quem se casar, as escolhas que fazemos e que pressupõe abrir mão das alternativas). Não que se trate de um filme dramático ou melancólico (embora haja alguma melancolia na sua atmosfera). O filme não é a história trágica de um homem frio e incapaz de demonstrar sentimentos, arrependido das escolhas que fez. Ao contrário, a história toda trata de um reencontro consigo mesmo de um homem já próximo ao fim (que recebe em um determinado momento do filme um relógio sem ponteiros, exatamente como no seu sonho) e de sua reconciliação com a vida, com a alegria da juventude, com os sentimentos que ele talvez não tenha se permitido viver durante tanto tempo.

            Toda sua relação com os jovens a quem ele oferece carona (inclusive uma jovem chamada Sara, mesmo nome do seu amor de juventude) demonstra isso, essa potência da vida em se reinventar, em reencontrar força e alegria em qualquer momento da existência. Na sua relação com o filho, que ao final se reaproxima de sua esposa, de quem estava separado, também vemos essa mesma potência em seguir adiante. Não há “tarde demais” enquanto houver vida. E mesmo quando a vida chega ao seu termo – a vida individual de um homem – isso em nada diminui a inocência, frescor e beleza da vida, que seguirá em outras existências individuais (tragicamente, mas também com alguma comicidade, fadadas a repetir erros, a “perder tempo”, a se afastar do que verdadeiramente importa, e que saberíamos, estivéssemos atentos com sinceridade ao que se passa em nós, ao invés de estarmos demasiadamente preocupados com vida prática, status, e toda a série de falsos problemas e mesquinharias que povoam nosso dia a dia).

Essa bela afirmação dessa potência da vida também me lembrou O Sétimo Selo, quando o protagonista abandona a jovem família circense (exemplo de felicidade e inocência) e segue ao seu inexorável destino com resignação, com a consciência de que, se não encontrou Deus, pelo menos encontrou o conforto em saber que a vida é maior que o indivíduo, e que ela nunca cessará. A finitude das partes não diminui o brilho e beleza do todo. O sofrimento das “individuações”, a angústia de nossa condição precária e ignorante não diminuem a gloria da natureza. Talvez mais do que existencialista, este filme de Bergman possa ser considerado spinozista: “Deus Sive Natura”, parece nos dizer o poema que ele (sob o seu pseudônimo de Isak Borg) recita em certo almoço com seus amigos jovens, ao tentar interceder no velho debate sobre “religião contra ciência”; “materialismo versus espiritualidade”, representado ali pelos dois rapazes que disputam a jovem Sara. É como se Borg estivesse nos dizendo: Deus talvez não exista, sentido talvez não encontrarei, os erros cometidos não serão reparados, nem alcançarei a completude que busquei. Mas estive vivo, e isso basta”.  

“Onde está o amigo que procuro em toda parte? O amanhecer é a hora da solidão e do carinho. Quando o dia se vai, ainda não o encontrei. Um fogo invade meu coração. Sinto sua presença. Vejo sua glória poderosa onde nascem as flores. As flores têm perfume, e as montanhas se elevam. Seu amor está no ar que respiro. Ouço sua voz sussurrando no vento do verão”.